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Participação digital reforça a confiança da sociedade nas instituições

Em entrevista ao veículo La Diaria, do Uruguai, diretora da Secretaria Nacional de Participação Social comenta sobre a experiência da plataforma Brasil Participativo

A polarização e a desinformação alimentadas pela extrema direita na América Latina representam desafios reais para a democracia. Por essa razão, universidades, governos e organizações sociais da região estão desenvolvendo ferramentas digitais de participação cidadã que ajudam a defender o regime democrático. O tema é destaque na página de notícias La Diaria, do Uruguai, que entrevistou Carla Bezerra, diretora de Participação Digital e Comunicação em Rede da Secretaria Nacional de Participação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República (SNPS/SG-PR). O texto foi publicado no site, em espanhol, no dia 4 setembro.

“Um dos desafios que enfrentamos, não só no Brasil, mas em toda a América Latina e em todo o mundo, é o avanço da extrema direita com valores antidemocráticos, com discursos de ódio e ampla disseminação de notícias falsas”, explicou a especialista, que também considera que os mecanismos de participação digital são uma resposta a esses ataques.

“A extrema direita avança nos lugares em que faltam confiança nas instituições. A participação dos cidadãos permite restaurá-la, porque quando o governo escuta as pessoas, e os cidadãos veem que as suas opiniões são levadas a sério, a democracia se fortalece e o governo fica mais próximo”, afirmou.

Bezerra esteve no Uruguai para o seminário Participação e democracia no mundo digital, que ocorreu na Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade da República (Udelar), com a presença de renomados palestrantes nacionais e internacionais. Na ocasião, foi lançado o livro Participação Cidadã Digital, produzido pelo Laboratório de Participação e Tecnologias da Universidad de la República Uruguay (Udelar).

A especialista em políticas públicas e gestão governamental apresentou, no encontro, a experiência do Brasil à frente da plataforma Brasil Participativo, que já atingiu a marca de 1,5 milhão de participantes.

Com base nessa experiência, governos e organizações estão desenvolvendo ferramentas de participação digital que promovem o diálogo e a mediação, procurando que opiniões diversas convirjam em espaços comuns. “No entanto, estes esforços devem ser acompanhados de um compromisso firme com a inclusão e a transparência, garantindo que as vozes dos cidadãos influenciem verdadeiramente as políticas públicas”, alertou.

A gestora considera que este tipo de estratégia implica uma mudança na forma de conceber as políticas públicas. “Em vez de as propostas virem apenas do Poder Executivo, elas vêm da sociedade. A ideia é que todas as políticas públicas sejam feitas com a participação dos cidadãos”, acrescentou.


Qual é o objetivo principal do livro e como você espera que ele impacte a discussão sobre participação e governo aberto na América Latina?


O livro foi elaborado pela Universidade da República do Uruguai e participo deste encontro para apresentar a experiência do Brasil Participativo, um exemplo concreto da participação digital no país. A obra se propõe a ser um guia para que os governos locais ou nacionais também possam implementar essa experiência. O Brasil Participativo foi desenvolvido com a mesma tecnologia da Plataforma de Participación Ciudadana, criada pela equipe de Gabriel Kaplún, o Decidim (software livre voltado para processos de participação digital de instituições cívicas, públicas ou privadas).

A tecnologia desenvolvida em Barcelona é utilizada, atualmente, por 400 municípios, governos nacionais e ONGs. Com ela, três milhões de usuários interagem ao redor do mundo e, destes, são 1,5 milhão de cadastros só no Brasil. Portanto, é uma experiência que alcançou grande sucesso em cerca de um ano e meio.

Conseguimos a participação dos cidadãos em processos como o PPA Participativo, o Plano Clima e também em conferências. No Brasil, existem grandes conferências presenciais e agora fazemos isso conectando o digital e o presencial.


Que lições o Brasil aprendeu com essa experiência?


No ano passado, tivemos o lançamento do Plano Plurianual Participativo, com o qual conseguimos 1,5 milhão de participantes que votaram quais serão as prioridades do governo para os próximos quatro anos.

O plano plurianual é uma das etapas do ciclo de gestão. Primeiro, é aprovado esse plano de prioridades e, depois, o orçamento tem que ser aprovado anualmente seguindo esses objetivos.

A ideia era fazer uma grande consulta com as pessoas, além de uma análise técnica. Posteriormente, 76% do que foi votado pela população foi incorporado à lei, então podemos dizer que foi um grande sucesso, pois as prioridades mais importantes estão alinhadas com o que foi aprovado no Congresso. Portanto, o que as pessoas escolheram se tornou realidade.

Este é um exemplo concreto de participação cidadã eficaz. Algo semelhante aconteceu agora com a Conferência da Juventude, na qual os delegados são eleitos. Lá introduzimos uma etapa digital em que a pessoa poderia fazer a proposta e, se conseguisse ter a iniciativa com mais votos, elegeria também um delegado.

Dos 1.000 delegados, mais ou menos 60 foram eleitos diretamente pela plataforma digital e participaram da etapa nacional, levando suas propostas para serem discutidas. Estamos desenvolvendo agora, com a participação dos cidadãos, o plano de enfrentamento às mudanças climáticas que o governo brasileiro apresentará no próximo ano.


Pode-se dizer que isso representa uma mudança na forma de conceber as políticas públicas?

Sim, essa é a ideia. Em vez de as propostas virem apenas do Poder Executivo, elas vêm também da sociedade. O Brasil tem uma longa tradição de participação com conferências, conselhos e orçamentos participativos, embora sempre tenham sido desenvolvidos em nível local e nunca em nível nacional. O objetivo é que a plataforma digital do Brasil seja aquele ponto de encontro, no qual o que já acontece presencialmente seja potencializado pelas ferramentas digitais para a participação de todos os cidadãos.


A América Latina é a região mais desigual do mundo e existem lacunas no acesso à tecnologia por parte dos setores mais vulneráveis. Como essas desigualdades podem ser reduzidas?


Essa é uma preocupação permanente. Mas uma coisa que gosto de dizer é que, em geral, o digital amplia as possibilidades, porque os encontros presenciais têm custos de transporte e geralmente, no Brasil, só participa quem mora na capital. É muito difícil vir gente do interior e, graças à tecnologia digital, cada vez mais cidadãos podem participar e dar a sua opinião.

Por outro lado, sabemos que há aqueles que estão excluídos digitalmente, pessoas que vivem em regiões mais distantes ou que não têm acesso por não terem plano de dados. Perguntamo-nos, por exemplo, como incluir as populações indígenas e os povos e comunidades tradicionais que, muitas vezes, não têm acesso à tecnologia. Estamos pensando em ampliar esse acesso por meio de um plano de dados e realizar oficinas em locais nos quais a alfabetização digital seja necessária.

Então, esse é um ponto importante, mas sabemos que embora o digital não resolva todos os problemas, ele traz algumas soluções para ampliar a participação.


Você acha que esse é um dos principais desafios que a região tem para uma democracia mais fortalecida e um governo mais aberto?


Esse é um dos desafios. Outro desafio que enfrentamos, não só no Brasil, em toda a América Latina e no mundo, é o avanço da extrema direita com valores antidemocráticos, com discursos de ódio e ampla participação com notícias falsas.

O desenvolvimento de mecanismos de participação digital em um ambiente deste tipo é muito desafiador. Nas redes sociais percebemos um aumento da polarização porque a mensagem mais radical e falsa ganha mais relevância devido aos algoritmos. Diante desse cenário, estamos desenvolvendo ferramentas que buscam ajudar as pessoas a encontrar discursos de mediação, para que diferentes opiniões possam convergir. Para isso estamos gerando um entendimento comum, uma convergência, uma mediação, e isso é muito desafiador, porque temos que fazer mobilizações online, chamar as pessoas para virem ao nosso espaço de participação. É muito desafiador, realmente.


Pode-se entender que estes mecanismos de participação são uma resposta a este avanço da extrema direita na região?

É uma resposta possível. A extrema direita avança nos lugares em que há falta de confiança nas instituições. A participação dos cidadãos permite-nos recuperar a confiança nas instituições quando o governo ouve as pessoas, quando os cidadãos vêem que as suas opiniões são levadas a sério. Essa é uma forma de fortalecer a democracia, aproximando o governo dos cidadãos.


E qual o papel da inteligência artificial em tudo isso?


A inteligência artificial e as tecnologias são ferramentas que podem ser usadas para o bem e para o mal. Assim como a participação digital pode ser utilizada para difundir notícias falsas, ela também pode ser utilizada para produzir boas políticas públicas. A inteligência artificial adiciona outra camada de complexidade, gerando muitas possibilidades positivas no ciclo de políticas públicas ou promovendo, quando não há regulamentação, o uso indevido de deepfakes para divulgação de notícias falsas.


Sabemos que as imagens já são altamente manipuladas, mas em geral as pessoas confiam nos vídeos, e hoje não é possível confiar integralmente neles. Portanto, seguramente é mais uma camada de complexidade, com a qual teremos que potenciar os seus bons usos e regular e limitar os maus.

No Brasil Participativo adotamos algumas medidas de segurança. A primeira é por meio de uma identidade digital única que o governo brasileiro possui para acessar mais de 5 mil serviços digitais. Com isso, quase não tivemos casos de discurso de ódio ou fake news na plataforma, com a participação de mais de um milhão e meio de pessoas.


Qual o papel das universidades na questão da participação digital?


No nosso projeto específico eles têm um papel muito importante porque o Brasil Participativo é uma iniciativa do governo federal brasileiro, mas o software é desenvolvido em parceria com a Universidade de Brasília e outros órgãos.

A ideia é que a universidade, depois de desenvolvermos totalmente a plataforma, transfira a tecnologia para o governo brasileiro. Então, ela tem um papel estratégico no desenvolvimento tecnológico, na difusão, no conhecimento, na formação dos alunos e na transferência desta tecnologia.


Essa tecnologia pode ser transferida para outros governos da região?


Sim, essa é uma ideia que temos. O Uruguai e alguns estados no México já utilizam. Na Colômbia e no Chile também. No nosso caso, queremos oferecer a experiência do Brasil Participativo aos governos subnacionais, mas também queremos apresentar o projeto para outros países da América Latina. Para isso, estamos organizando um evento chamado América Aberta no final do ano, que acontecerá em Brasília. A ideia é que tenhamos um momento para discutir o uso de tecnologias participativas em toda a região.


Quais desafios ainda existem para a participação digital?


Já falamos da inclusão digital e dos discursos antidemocráticos da extrema-direita, mas há também o desafio de envolver verdadeiramente os cidadãos. Os processos não podem ser uma simples consulta que, depois, ninguém sabe o que foi realmente decidido. Além disso, é importante que os governos façam devolutivas, mostrando os resultados aos cidadãos. O processo de mobilização e convencimento deve tornar visível que os cidadãos têm poder real para influenciar a política.


Fonte: Conteúdo original publicado pelo La Diaria.

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